Em "Forty Part Motet", Cardiff conta com as vozes do coral da Catedral de Salisbury, Inglaterra, para reproduzir o complexo moteto (composição polifônica medieval) de Thomas Tallis. Desta forma, ela, brilhantemente, personifica cada caixa de som de sua instalação, para que cada uma corresponda a uma voz diferente. Até mesmo a solução visual dada aos alto-falantes remete a esta aproximação do visitante à catedral: o uso de pedestais que suspendem as caixas à altura média de uma pessoa, assemelhando-se a um corpo e a uma cabeça.
Na minha opnião, o mais impressionante é a capacidade de uma obra que se desprende das amarras visuais, concentrando-se fortemente na acústica e reprodução sonora, ser tão "completa" a ponto de fazer o vistante esquecer de tudo aquilo que passava em sua mente. Ao entrar no ambiente, senti o som abraçar-me por todos os lados, e as vozes "de bastidores" que antecediam a composição principal fizeram-me acreditar plenamente que estava prestes a deparar-me com uma sala cheia de outros visitantes, o que me chocou mais ainda, pois a mesma estava vazia! A capacidade de Janet Cardiff de recriar esta "esfera musical épico-celestial", fez-me pensar que estava na Europa medieval; e a confusão de ruídos, tosses e vozes, que sobrepõe o silêncio abrupto que acompanha o fim da gravação, transportou-me de volta ao século XXI e, além disso, desorientou-me ao provocar a minha desesperada movimentação ao redor das caixas, à procura de um "novo som" (forma de interação).
Uma incrível obra, de uma artista interessantíssima, onde a audição sobrepõe quaisquer outros sentidos humanos. Simplesmente não quis mais sair daquela sala! Uma verdadeira abstração!
OUTRAS OBRAS [com George Bures Miller]
THE MURDER OF CROWS, 2008
http://www.youtube.com/watch?v=Xfa2fvWZ6IIhttp://www.youtube.com/watch?v=Z9xEpyqLxDw
Mais uma vez, porém em parceria com outro artista, Cardiff explora o universo sonoro em sua obra. Com 98 caixas de som, ela tenta espelhar o surrealismo do "mundo de sonhos", com mais uma "confusão perfeitamente arranjada" feita por sua voz, o barulho de pássaros voando, uma banda marchante e ruídos de uma fábrica. Este ambiente "sinistro" instalado é comparável à situação política atual, caótica; e o posicionamento de um megafone no centro da obra, de onde a voz da autora é projetada, retrata o aprisionamento do ser em meio a seus sonhos apocalípticos.
THE KILLING MACHINE, 2007
Nesta outra obra, a exploração visual é grande, fazendo o uso de diversos elementos como, por exemplo, a cadeira de dentista coberta por pelúcia cor-de-rosa que é a peça central da instalação. Partindo para uma crítica explícita à sociedade, Cardiff e Miller inspiraram-se parcialmente em "In the Penal Colony", de Franz Kafka, e no sistema americano de punições capitais, assim como na situação política atual. Esta é uma obra agressiva e, exatamente por isso, consegue chocar aqueles que a observam, provocando uma reflexão maior sobre os dias atuais e a situação mundial como um todo. É o resultado, mais uma vez, da artista provocando sensações que "prendem" o visitante na obra.
COMENTÁRIOS GERAIS FINAIS
Após analisar estas três obras, entre outras, da canadense, pude concluir que um dos aspectos mais presentes em seu trabalho é o de tentar provocar diferentes sensações nos observadores, transportando-os a uma outra realidade, caótica, mágica e surreal. Além disso, ela ainda, de alguma forma inacreditável, consegue prolongar a "visita" das pessoas em suas instalações, fazendo com que fiquem a deslumbrá-las sem que percerbam o tempo passar. Esta é, definitivamente, uma artista a se observar! Ou ouvir, se assim preferir dizer...